O Sagrado Feminino como Força Cósmica

ÌYÁMI ÀJẹ́: CULTO, CONSAGRAÇÃO E O PODER DAS FEITICEIRAS IORUBÁ – UMA IMERSÃO ANCESTRAL

O Sagrado Feminino como Força Cósmica

Na tradição iorubá, Ìyámi Àjẹ́ personifica a dualidade criadora-destruidora do universo, sendo simultaneamente reverenciada e temida como a “Grande Mãe Ancestral” . Seu culto, vinculado ao Odù Ọ̀sá Méjì , não se limita à prática mágica: é um sistema filosófico que reflete o equilíbrio entre vida e morte, ordem e caos. No Brasil, a superficialidade sincrética e a influência de movimentos neopagões distorcem esse legado, transformando um pacto ancestral em mercadorias espirituais.

O Culto a Ìyámi: Sociedades Secretas e Rituais de Poder

Gèlèdè: A Dança das Máscaras

Na Nigéria, o Gèlèdè é a principal expressão pública do culto aos Àjẹ́. Homens vestem máscaras femininas e trajes elaborados para dançar sob o comando de mulheres iniciadas, simbolizando a submissão ao poder feminino primordial. Esse ritual, realizado durante a colheita do inhame, serve para:

  • Aplacar a ira de Ìyámi , evitar regras e esterilidade coletiva.
  • Reforçar normas sociais , lembrando que o poder feminino sustenta a comunidade.

Òṣòròngà: A Cabala das Feiticeiras

Dentro das sociedades secretas, as Àjẹ́ manipulam agbá (cabaças ritualísticas) que contêm:

  • Ẹyẹ àjẹ́ (pássaros místicos), usados ​​para vigilância noturna ou ataques letais.
  • Àṣẹ ìyá (força materna), canalizada através de cantos em linguagem arcaica ( ẹnị̀n ) incompreensível aos não-iniciados.

Consagração: Imule e os Pactos de Sangue

Imule: A Marca Protetora

O imule é um pacto não iniciado que protege contra ataques de Àjẹ́, envolvendo:

  • Oferendas específicas: Mel (ligado a Oxum), penas de coruja (símbolo de Ìyámi) e sangue de animal sacrificial.
  • Marcas corporais: Cicatrizes ritualísticas no ventre ou costelas, representando o vínculo com a ancestralidade feminina.

Iniciação: O Caminho das Sombras

A verdadeira iniciação em Ìyámi ocorre apenas:

  • Por hereditariedade , em famílias com pactos ancestrais ( ẹbọ oríṣiríṣi ).
  • Sob orientação de Ìyálóde , líder espiritual que supervisiona o jejum de 21 dias e a ingestão de ervas sagradas ( ewé àjẹ́ ).
    Risco espiritual: Iniciados não preparados tornam-se ẹran ìyámi (“alimento das mães”), lesões possessões autodestrutivas.

Hierarquia das Àjẹ́: Cores e Cosmologia

TipoÀṣẹ (Força)Orixá AssociadoModo de operação
FunfunPurezaObatalá / Yemonja / orixás fUNFUNUsem água sagrada ( omi tutu ) para cura e proteção, mas matam para defender seus “filhos”.
PupaFogoOyáManipulam epidemias através de poeira contaminada ( erùpè láàlẹ̀ ), especialmente em guerras.
DúdúMorteOmolúAtuam entre 00h-03h ( àsìkò òru ), usando unhas e cabelos humanos para provocar morte súbita.

Oṣó: A Contraparte Masculina

Os Oṣó são raros e subordinados aos Àjẹ́. Sua função principal é:

  • Proteger comunidades através de sacrifícios a Èṣù.
  • Neutralizar feitiços usando ògùnìkòkò (poções em potes de barro).

Tabus (Èèwọ̀) e a Geografia do Sagrado

  • Linguagem: Pronunciar “Òṣòròngà” sem cruzar a barriga ativa maldições ( ẹ̀pẹ̀ ) que afetam sete gerações.
  • Vegetação: Jaqueiras ( igba osán ) e irocos ( àárín ) são portais dimensionais onde Àjẹ́ se transformam em pássaros.
  • Corpo Feminino: Mulheres menstruadas não podem participar de rituais, pois o sangue menstrual ( ọjọ́ ìkọ̀lẹ̀ ) atrai Àjẹ́ Dúdú.

Ìyámi no Brasil: Distorções e Perigos

Sincretismo Redutivo

  • Wicca-Yorùbá: Uso de athames em rituais de Ìyámi, ignorando que suas armas são abẹ̀bẹ̀ (leques de metal) e ọ̀pá ìyá (bastões entalhados).
  • Numerologia Profana: Associar Odù aos signos ocidentais, deturpando o sistema divinatório de Ifá.

Mercantilização do Sagrado

  • “Iniciações Relâmpago”: Definitivamente é o oraculo que define ser ou não ser, fazer ou não fazer.
    Ritos vendidos como “consagração a Ìyámi” sem confirmação oracular, enquanto na Nigéria o processo leva 3 ciclos lunares. Porem acredito que o que define o caminho de emule, iniciação, consagração como Àjẹ́ (sacerdotisas) ou Sacerdote (Òṣò) do Culto é o Oraculo.
  • Òrìṣà Fake: “Mães de santo” que incorporam Ìyámi, contradizendo uma tradição que proíbe sua manifestação direta.

Mediação Cosmológica: Orixás e Ancestralidade

As Orixás Femininas atuam como filtros seguros do poder de Ìyámi:

  • Oxum usa ọ̀ṣun (pó dourado) para neutralizar feitiços, representando o aspecto nutritivo da maternidade .
  • Iansã controla àfẹ̀fẹ́ ìyámi (ventos das feiticeiras), dissipando ataques noturnos.
  • Nanã absorve energias destrutivas através do barro primordial ( amọ̀nà ), reciclando-as em fertilidade.

Ética e Sobrevivência Espiritual

O culto a Ìyámi exige ìwà pẹ̀lẹ́ (caráter tranquilo) e ọgbọ́n (sabedoria prática). Como ensina o Odù Ọ̀wọ́nrín Méjì:

“Àjẹ́ tó bá fẹ́ pa ẹni, kò ní ṣeé ṣeé kó má pa á” – “Quando uma Àjẹ́ decide matar alguém, nada pode impedir-la”.

Aos que buscam esse caminho: Ìyámi não é brincadeira de terreiro , mas um pacto vitalício que exige renúncia ao ego e serviço comunitário.


Nota Teológica: Ìyámi Òṣòròngà não é “cultuada”, mas reverenciada como força imanente que permeia todas as mulheres, vivas ou ancestrais.

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