MERCADORES DA FÉ

Mercenários da Fé: O Mercado das Iniciações e a Exploração dos Adeptos

A crescente mercantilização das religiões afro-brasileiras e de outros segmentos religiosos tem gerado debates intensos sobre ética, tradição e o verdadeiro papel do sacerdote. O fenômeno dos chamados “mercenários da fé” evidencia uma distorção profunda: sacerdotes que transformam a espiritualidade em negócio, vendendo iniciações, tratamentos, oráculos e até mesmo a participação em rituais, enquanto os adeptos se tornam mão de obra barata, muitas vezes explorada e desvalorizada.

A Exploração do Novo Adepto

Nas casas modernas, o novo iniciado frequentemente é colocado para trabalhar, sendo chamado de “chibita”, encarregado das tarefas mais pesadas e, muitas vezes, exposto a cargas negativas sem receber a devida proteção ritualística, como o ebó de descarrego ou sequer uma refeição após o trabalho espiritual. O adepto, além de pagar mensalidades, consultas e tratamentos, ainda doa seu tempo, energia, axé e dinheiro, muitas vezes sem retorno espiritual ou material.

Essa lógica transforma o iniciado em um verdadeiro escravo do sistema religioso, movido por gatilhos mentais de pertencimento, urgência e necessidade. O desejo de permanecer em uma corrente, família, ilê ou egbe faz com que muitos aceitem condições abusivas, sem questionar as consequências espirituais e pessoais das iniciações e obrigações que lhes são impostas.

A Mercantilização da Fé

As casas modernas, em muitos casos, priorizam o lucro: tudo é cobrado, desde a água, café, limpezas até as iniciações, consultas oraculares e ebós. O novo adepto paga até para trabalhar e aprender, sendo manipulado a acreditar que quanto mais investir financeiramente, mais rápido alcançará evolução espiritual. Essa prática se assemelha ao que já foi denunciado em outros segmentos religiosos: a transformação do templo em agência mercantil, onde a fé se torna moeda de troca e a espiritualidade, produto de prateleira.

“É deprimente identificarmos ‘religiosos’ que se postam quais ‘missionários’ DA ESPIRITUALIDADE, com evidente desprezo ao código sublime do amor ao próximo… Tais pregadores exaltam a ignorância com altas doses de soberba e se alardeiam guias e evangelistas… religiões mercantilistas que escravizam os homens e exploram a boa-fé das pessoas que sofrem.”

Diferenças Entre Casas Modernas e Casas Tradicionais

AspectoCasas ModernasCasas Tradicionais
FocoLucro, venda de iniciações, mensalidadesEspiritualidade, acolhimento, tradição
IniciaçãoIncentivada sem critério, visando arrecadaçãoRealizada apenas quando há real necessidade
Tratamento ao AdeptoCobra-se por tudo, até para trabalharAdepto recebe alimentação e cuidados
Retorno ao AdeptoPouco ou nenhum axé, proteção ou recompensaRecebe axé, tratamento, acolhimento
TransparênciaConsequências pouco explicadas, manipulaçãoEsclarecimento sobre obrigações e preceitos. Consequências e provações pós consagrações e rituais.
Relação com o DinheiroPrioridade máxima, tudo é tarifadoDinheiro não é prioridade, foco no coletivo

Nas casas tradicionais, o novo adepto era iniciado apenas quando realmente havia necessidade espiritual, e não por interesse financeiro. Quem trabalhava no terreiro recebia, no mínimo, alimentação e tratamento espiritual, sendo acolhido de maneira digna. O dinheiro não era a prioridade; o foco estava no bem-estar coletivo, na transmissão do axé e no fortalecimento da comunidade.

O Perigo da Manipulação e da Perda de Vitalidade

Ao doar tempo, energia e axé sem o devido retorno, o adepto perde vitalidade e, muitas vezes, se afasta do propósito original da religião. Movido por manipulação emocional e pela busca de pertencimento, acaba se tornando refém de um sistema que lucra com sua fé e sua boa vontade. A ausência de transparência sobre as consequências espirituais das iniciações e obrigações aprofunda ainda mais a exploração.

Conclusão

A diferença entre casas modernas e tradicionais revela um abismo ético e espiritual. Enquanto as primeiras tratam a fé como mercadoria, as segundas preservam o acolhimento, o respeito e a verdadeira transmissão do axé. O combate aos mercenários da fé é urgente para resgatar a dignidade dos adeptos e o verdadeiro sentido das religiões de matriz africana e de todas as tradições espirituais.

Publicar comentário

Você não pode copiar conteúdo desta página

error: Content is protected !!